Porto vs Benfica: 2-2
Processos de edificação em curso. Dois projectos em busca de uma identidade afirmativa. 90 minutos depois, mais dúvidas do que conclusões. Para o F.C. Porto e para o Benfica. O empate a duas bolas é o fiel retrato da realidade actual. Com uma diferença importante, porém. O Benfica arrecadou uma igualdade no território do arqui-rival, a oito minutos do fim. 2-2, um ponto para cada lado e, insista-se, muito ainda por revelar nas próximas semanas.
«Here we are now, entertain us». Há duas décadas, o refrão tornou-se o hino solene da juventude rebelde. Nirvana, «Nevermind». A apologia do risco, da anarquia em forma de espectáculo. 20 anos depois, a nova versão do F.C. Portio insiste em ter um ponto de contacto com esta cultura. Vitor Pereira quer divertir, satisfazer a plateia, beber do futebol total e do culto da posse de bola.
Na teoria, óptimo. Na prática, o grupo não terá ainda assumido a ideia-mestra. Confundir um estilo de esteta, com uma postura de libertino só pode levar a maus caminhos. Este é o desafio a esculpir pelo técnico nos próximos jogos. Este dragão está a precisar de ser reeducado.
Distante da opulência de tempos recentes, da glória espalhada ao longo da última campanha, o F.C. Porto teve, ainda assim, a vitória na mão. Há, porém, que lembrar a alguns dos dragões que as medalhas de outras guerras são, nos tempos que correm, meros elementos decorativos.
Resumo 1ª Parte:
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Importa começar por aqui. Freddy Guarín, por exemplo, exibiu um excesso de confiança incompreensível. E não está em causa a qualidade individual do colombiano. Está, isso sim, a forma como a coloca à disposição da equipa. Toques de habilidade em zonas proibidas, relaxamento em períodos-chave, isso não.
Não terá sido, naturalmente, apenas por isto que o F.C. Porto deixou escapar duas vantagens no marcador. É estranho, de facto, perceber a quebra registada pelos dragões na segunda parte. Ao intervalo, o 1-0 sublimava uma superioridade evidente, alicerçada na consistência de João Moutinho, nas arrancadas de Hulk e Varela, na finalização perfeita de Kléber com a cabeça.
Até aí, o Benfica vivia numa lassitude, também ela, incompreensível. Recolhido, temeroso, incapaz de mostrar coragem para ter bola e futebol convincente. Uma timidez sem remissão. A auto-complacência morreria ao intervalo, provavelmente humilhada pelas palavras populares e inflamadas de Jesus. Não custa nada imaginar, pois não?
No primeiro remate à baliza de Helton, o Benfica fez golo. Perda de bola de Hulk, bola nos pés de Nolito e Cardozo a antecipar-se aos opositores. Um clamor a injustiça ecoou por todo o estádio. Nessa altura, ainda justificado, pois o F.C. Porto perdera, pelo menos, já duas situações claras de golo. Uma através de Hulk, outra por Fucile. Mérito, neste segundo lance, para a defesa quase impossível de Artur Moraes.
Resumo 2ª Parte:
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Ainda indignado pelo choque, o F.C. Porto voltaria a adiantar-se por Otamendi, logo a seguir. Debalde. A partir daí, a queda foi abrupta, vertiginosa, incompreensível. Fernando começou a cometer erros atrás de erros, Alvaro Pereira ficou sem pernas, Guarín deixou de correr e o Benfica cresceu, cresceu, cresceu. Até empatar. Novamente.
E mesmo nesse lance é difícil perceber como Nico Gaitán surge sozinho na esquerda. Onde andava Fucile? Depois, é tudo talento, tudo inspiração do argentino. Bomba de pé esquerdo, o travessão a abanar, e o resultado final estabelecido.
F.C. Porto e Benfica continuam ombro a ombro e olhos nos olhos. Pelo que se viu, justificadamente.
Destaques Individuais do Porto
A figura: Otamendi
Viu o cartão amarelo ao oitavo minuto de jogo, preocupando os adeptos portistas uma fase precoce do clássico. Contudo, soube manter o controlo emocional e evitou até os cortes mais arriscados que costumam redundar em momentos brilhantes ou sustos tremendos. Seguro a defender, voltou a demonstrar instinto na área contrária. Reagiu ao tento de Cardozo com uma incursão à área contrária e finalização na zona decisiva, recolocando o F.C. Porto em vantagem no marcador. Parece ter ganho, definitivamente, vantagem sobre Maicon. Partilha responsabilidades nos golos do Benfica mas demonstrou uma atitude impressionante nos minutos finais, empurrando a equipa para a frente em busca da vitória.
A táctica: os flancos e as torres
Vítor Pereira seguiu a cartilha lógica e devolveu a titularidade a Varela, face ao castigo de James. O meio-campo, sujeito a contínuas mudanças até ao clássico, recuperou a imagem de Dublin. A ordem, contudo, passava por atacar pelos flancos, com Hulk à direita e Alvaro Pereira a esticar o corredor à esquerda. Com as torres Luisão e Garay pela frente, o F.C. Porto não desistiu dos lances de bola parada e foi inteligente: um golo após livre batido para o primeiro poste e outro na sequência de canto curto, em jogada pelo chão. A defender, contudo, falta de capacidade física e coordenação no preenchimento dos espaços.
O momento: minuto 62
Defesa monumental de Helton ao minuto 62, evitando que o Benfica marcasse o segundo golo em igual número de remates enquadrados com a baliza. Partilha responsabilidades com Rolando na forma como ambos caíram por terra num simples toque de Cardozo mas, naquele segundo momento, evitou nova sensação de injustiça entre os adeptos portistas presentes no Estádio do Dragão. O F.C. Porto facilitou e, na recta final, Gaitán aproveitou para fazer o 2-2.
Outros destaques
Kléber
O menino de Estância Velha está a despertar a curiosidade da imprensa brasileira. Sem darem por ela, Kléber apareceu na convocatória de Mano Menezes para a selecção principal da canarinha. O treinador acompanhou a aparição do jovem avançado do F.C. Porto, assumindo o legado de Falcao, e quer conhecê-lo melhor. Se viu o clássico, ficou bem impressionado. Kléber cumpriu ordens e pressionou alto, provocando erros dos adversários. Ao minuto 38, à ponta-de-lança, desviou com subtileza de cabeça após livre cobrado por Guarín. Golo. Precisa de ganhar consistência mas tem potencial para se impor.
Hulk
Pinto da Costa disse, certo dia, que Hulk era insubstituível. A expressão assumiu outros contornos, mas a justificação do presidente do F.C. Porto era simples: como Hulk, não há nenhum. É um facto. Com aquela aceleração, aquela finta curta e recepção orientada, o brasileiro passa de um jogo pausado para o caos instalado na área contrária. Observem o panorama mundial e comprovem: há melhores e piores, todos diferentes. Igual, nem um. No primeiro minuto, Emerson sentiu isso mesmo. Aos onze, foi Artur a travar uma jogada de génio. Por vezes, concentra demasiado jogo do F.C. Porto nos seus pés. Não enjeita a responsabilidade e lança-se sobre os adversários: um, dois, três, quatro. Até se perder (como aconteceu no lance do golo do Benfica) ou chegar ao paraíso. Caiu a pique na segunda parte e a equipa portista ressentiu-se disso mesmo.
Guarín
Sensações mistas na análise ao desempenho do colombiano. A demonstração extrema de tranquilidade, mesmo rodeado por um cacho de adversários, irritou alguns adeptos e fez as delícias de outros. Denotando alguma falta de ritmo, esteve ainda assim nos principais momentos do F.C. Porto e serviu Kléber no lance do 1-0. Antes de sair, tentou ainda um chapéu inteligente a Artur. O brasileiro percebeu a intenção.
Destaques Individuais do Benfica
A figura: Gaitán
Menos vistoso que Nolito e Aimar enquanto esta dupla esteve em campo, foi deixando alguns esboços da sua qualidade inigualável ao longo do encontro. Jorge Jesus sacrificou o espanhol e o argentino mais experiente para manter Gaitán em campo. 13 minutos depois, o esquerdino deu-lhe razão. Com uma velocidade impressionante, ganhou espaço a Fucile e fuzilou Hélton, sem hesitar. Naquele momento, saltou de figura mediana para homem do jogo. Em escassos segundos.
A táctica: tapar caminhos e confiar na arte
Jorge Jesus não recuou linhas nesta visita ao Estádio do Dragão mas manteve cautelas durante uma hora de jogo. Aliás, na primeira parte, o Benfica não fez um remate enquadrado com a baliza de Helton. A estratégia passava por tapar caminhos para a sua área e confiar na arte das unidades mais ofensivas. Bastou. Nolito, Aimar, Gaitán e Cardozo passaram largos períodos a trocar bola entre si, sem apoio. Assim mesmo, chegaram ao 1-1, falharam uma primeira oportunidade para o 2-2 e chegaram ao empate na recta final, já com Saviola no processo.
O momento: minuto 82
Num lance rápido, quando o F.C. Porto parecia ter o jogo controlado mas perdia-se em movimentos inconsequentes, o Benfica garantiu o empate no Clássico. Jorge Jesus lançara Bruno César e Saviola para refrescar ideias no sector ofensivo. O argentino inventou um lance e abriu caminho para o golo do compatriota Gaitán. Bola em Cardozo, toque para Saviola, visão extraordinária de El Conejo para a velocidade imparável do esquerdino. Um ponto com sabor a triunfo.
Outros destaques:
Artur Moraes
Providencial na primeira parte, negando o golo a Hulk e sobretudo Fucile, quanto o lateral uruguaio do F.C. Porto surgiu à entrada da pequena área para finalizar após cruzamento rasteiro de Varela. Estreou-se num clássico, reencontrando o adversário que lhe roubou a oportunidade de levantar o troféu da Liga Europa pelo Sp. Braga. Não teve hipótese nos tentos de Kléber e Otamendi. Marcou posição ainda na primeira parte, levantando o pé a Guarín, já com a bola nas mãos. Os adeptos do F.C. Porto não gostaram.
Pablo Aimar
Todo o processo ofensivo do Benfica (escasso na primeira metade do clássico) passou pelos pés do médio argentino. Com liberdade posicional para jogar na linha de Cardozo, junto aos centrais do F.C. Porto, soube fugir da área de jurisdição de Fernando para multiplicar-se em pormenores de classe. Ganhou a bola a Hulk no tento de Cardozo, logo após o intervalo, ajudando o Benfica a relançar-se na partida. O sector defensivo comprometeria logo depois. Saiu ao minuto 65.
Nolito
A exibição do antigo jogador do Barcelona, principal novidade no onze de Jorge Jesus para o clássico, não teve momentos de especial brilhantismo mas permitiu a Nolito sair do relvado do Dragão com sentimento de dever cumprido. Começou na direita, procurando travar as incursões ofensivas de Alvaro Pereira, mas teria de regressar ao seu flanco natural para subir de produção. Serviu Cardozo para o tento encarnado e deu nova oportunidade ao paraguaio, ao minuto 62. Desta vez, Helton opôs-se à altura. Saiu ao minuto 65.
Cardozo
Duas oportunidades, um golo. Andou sem apoio durante largos períodos, perdendo-se em correrias inglórias na pressão sobre o último reduto portista. Foi amarelado após lance com Jorge Fucile mas voltou do intervalo para relançar o clássico. Por quatro minutos. Servido por Nolito, afastou Rolando e Helton com um simples toque e finalizou. Os pessimistas dirão que não devia ter falhado o segundo. Os optimistas lembrarão que Cardozo marcou no primeiro remate do Benfica à baliza e esteve na origem do tento do empate, apontado por Gaitán.
Luisão
Imperial. Evitou maiores embaraços a uma defesa onde dois elementos (Garay e Emerson) faziam a sua estreia em clássicos.
Declarações dos Intervenientes
Vítor Pereira: «Não sei se por bloqueio psicológico…»
Vítor Pereira, treinador do F.C. Porto, admitiu a sua insatisfação pelo desfecho do clássico com o Benfica. O técnico portista considera que a sua equipa merecia vencer, depois de ter estado por duas vezes em vantagem no marcador:
«É uma desilusão porque o Porto está habituado a vencer e tudo fez para tal. O Benfica reagiu continuamente ao nosso jogo, tentou de uma forma ou outra fechar os espaços mas estivemos sempre por cima. Não foi possível materializarmos em golos esse ascendente. Entrámos na segunda parte a sofrer um golo a frio, conseguimos reagir novamente mas incompreensivelmente entrámos num jogo de transições, num jogo que se partiu e entrámos no jogo de um adversário que gosta de entrar em transições rápida. É um resultado que não se ajusta ao que se passou no jogo.»
Sobre a exibição: «Foi pena não termos prolongado o nível alto. Vi uma primeira parte de nível altíssimo, de circulação constante, sem deixar o Benfica respirar. Temos de dar continuidade a isto.»
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Sobre a segunda parte: «Estivemos por duas vezes em vantagem e procurámos sempre a vitória. Após o 2-1, entrámos num jogo de bola cá, bola lá e isso partiu-nos. Também permitiu que houvesse espaços para uma equipa como o Benfica que gosta de sair em transições rápidas. Não sei se por bloqueio psicológico, emocional, isso aconteceu. Gostámos de ter bola e gerir o jogo a partir daí. É um aspecto que vamos ter de corrigir.»
Jesus: «Porto não sai satisfeito mas Benfica também não»
Jorge Jesus, treinador do Benfica, comentou desta forma o desfecho do clássico no Dragão (2-2). O técnico garante que pretendia lutar pela vitória mas admite que este acaba por ser um resultado positivo
«Olhando para o jogo e vendo que estivemos sempre a perder… O Porto esteve melhor na primeira parte mas nos últimos quinze minutos tivemos outro andamento e senti que podíamos chegar ao 2-2. Este empate é melhor para o Benfica, porque jogou no Dragão, mas não é o que queríamos. O Porto não saiu satisfeito mas o Benfica também não. Ainda assim, o Benfica sai mais satisfeito.»
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Sobre o resultado: «Uma nota positiva não foi termos empatado, mas sim termos estado por duas vezes em desvantagem e acreditado que podíamos voltar ao jogo. As duas equipas podiam vencer, o Benfica pode vencer aqui como o Porto pode vencer na Luz. O factor casa não tem tanta influência.»
Sobre a Liga: «Normalmente, quando há divisão de pontos, é positivo para as equipas que se querem chegar à frente, como o Sporting e o Braga. Este vai ser um campeonato muito competitivo. Acredito que lá para a frente, os melhores vão-se destacar. Mas este ano, as equipas chamadas grandes vão ter muito mais dificuldades.»
Kléber: «Golo do Benfica foi balde de água fria» Brasileiro marcou primeiro golo dos dragões
Kléber, autor do primeiro golo do FC Porto frente ao Benfica (2-2), na 6ª jornada da Liga, em declarações à SportTV:
«Merecíamos ter ganho pela primeira parte que fizemos. Não sei se o Benfica na primeira parte chegou à nossa baliza… O golo que marcaram foi um balde de água fria, empatámos, mas a equipa está de parabéns pela exibição.»
[Sobre o golo] «O mais importante era a vitória. Se não fosse eu seria outro companheiro qualquer. Fico feliz, mas o colectivo é mais importante do que o individual.»
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[Sobre a chamada à selecção brasileira] «Trabalhamos sempre para aí chegar. Há mérito, mas temos de continuar a trabalhar. Até ir para a selecção estou focado no Porto e temos aí um jogo muito difícil. Mas estou muito feliz com a chamada.»
Emerson: «Bom resultado, mas podia ter sido melhor»
Emerson, lateral do Benfica, depois do empate a dois golos com o F.C. Porto, na 6ª jornada da Liga, em declarações à SportTV:
«Foi um grande espectáculo, procurámos sempre o caminho da vitória. São duas boas equipas e não perdemos, o que foi importante porque estamos bem focados no campeonato. Vínhamos com o objectivo de fazer um grande jogo e conseguir os três pontos… Foi um bom resultado, mas podia ter sido melhor. Agora temos muito campeonato pela frente.»
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[A marcação a Hulk] «É um excelente jogador. Em campo não pensamos quem é melhor ou pior. Procurei dar o meu melhor, como procuro sempre ajudar o Benfica. Estamos no início de época, mas o objectivo é sempre vencer.»